“Diz-se geralmente que, em Portugal, o público tem
ideia de que o Governo deve fazer tudo, pensar em tudo, iniciar tudo: tira-se
daqui a conclusão que somos um povo sem poderes iniciadores, bons para ser
tutelados, indignos de uma larga liberdade, e inaptos para a independência. A
nossa pobreza relativa é atribuída a este hábito político e social de depender
para tudo do Governo, e de volver constantemente as mãos e os olhos para ele
como para uma Providência sempre presente.” in “Citações e Pensamentos” de Eça de Queirós.
Eça escreveu este excerto em 1891 e faleceu em Agosto
de 1900 em Paris! Destino de eleição para os privilegiados?
Entre outros escritos perfeitamente actuais, optei por
este pela expressa referência a “sem poderes iniciadores“, “indignos
de uma larga liberdade“ e “inaptos para a independência“. Em poucas
palavras e de acordo com a interpretação pessoal, o autor adverte sobre a
inércia para a actividade, o reduzido mérito na busca da liberdade plena e a
inadaptação para conquistarmos a independência.
Se transportarmos este cenário para os dias de hoje, é
um total dejá vu. Para além do cenário actual, relembro os tempos da 1ª
infância, em que, a par da natural curiosidade das crianças na exploração do
seu meio ambiente, surgem os pais, os avós, os irmãos, os tutores, os
professores a tudo ditarem como a inquestionável lei do melhor fazer para
melhor obter. Nesta fase, os futuros adolescentes são autênticos pesquisadores do
aqui e agora e destemidos artífices da experiência vivida. É toda esta
parafernália informativa que irá inevitavelmente contribuir para acalmar a sede
de conhecimento e potenciar as capacidades.
Depois, com o decorrer dos anos, aceitamos que o que
nos foi transmitido e ensinado é válido para todo o sempre, como se não fosse a
mudança a única a não mudar, pois ela própria está na sua essência.
Ao termos a iniciativa, perspectivamos o nosso querer,
dirigimo-nos para a nossa fonte de satisfação, mas será a responsabilidade que essa
mesma decisão acarreta que nos faz recuar?
A liberdade, por sua vez, decorre do assumir a
responsabilidade pelos actos praticados e nos eleva aos patamares do fluxo e
saber ser. Mas não será ela impraticável se não soubermos ao que vamos e para
onde vamos?
A independência estando intrinsecamente ligada aos
outros factores, promove a autonomia individual e colectiva perante os dogmas e
as políticas que nos são apresentados. É o sentido desta que nos permite aderir
ou não ao que, na maior parte dos casos, nos é imposto, ou seja, não nos empurra
exactamente para o oposto, a dependência. É o medo, seja ele de que
tipo for, que nos inibe de opinarmos, em vez de remoermos as consequências que
ele nos provoca?
Um século passado e as opções que nos colocamos não
alteraram muito, pois não? Por que será?